segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Enfim, a última cena

Tantas coisas aconteceram desde que entreguei nas mãos do Hunfrey uma cópia do roteiro do filme! E agora que acabou essa segunda fase do projeto, posso confessar: faltou um tiquinho assim para que eu surtasse de vez. Porque eu vivo transitando entre lucidez e loucura (e o Fernando sabe bem disso...), mas nesses dias de angústia eu quase passei ao estágio que leva à internação.

Depois de noites e mais noites mal dormidas, enfim dormi pesado. Sonhei com um monte de coisas estranhas, mas, por incrível que pareça, nada relacionado ao filme. Agora, definitivamente, ele não é mais meu.

Desde o começo eu venho dizendo o quanto é difícil produzir um filme sério. Sair com “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” não funciona mais nos dias de hoje. Pelo menos não para simples mortais como nós. O Glauber era um outro tipo de ser. Pra gente assim como nós, que rala um monte todo dia, que atrasa uma conta para pagar outra, que amarra porta de carro batido com cadeado de bicicleta (que ninguém conte aos ladrões de carro, por favor), fazer filme requer um cuidado e um empenho muito maior.

Preocupamo-nos com todos os detalhes que pudemos lembrar. É claro que faltaram muitos, eu já consigo visualizar uma “pá” deles. Mas se considerarmos que todos estávamos ali dando a cara pra bater, tentando fazer algo que nunca tínhamos feito antes, posso dizer que fizemos um excelente trabalho.

Não há um detalhe na cena que não tenha sido pensado pela direção de arte. Não há uma cor de roupa que não tenha sido estudada pela equipe de figurino. Não há um detalhe na fotografia que não tenha sido matutado pelo diretor de fotografia. E mesmo quando tudo não funciona (como as velas de 1,99, por exemplo), nossa criatividade bate recorde: pavio de barbante embebido em óleo automotivo serve pra quê? E pra colocar o pavio dentro da amaldiçoada vela de 1,99? Use um grampo, oras!

E assim foi desde o começo. Compramos tudo do mais barato. Fiz e refiz contas e mais contas para o dinheiro ser suficiente... E não foi. Mas pra quê serve cheque pré-datado e cartão de crédito nessa vida?

Eu cresci muito nesse processo todo. Aprendi a delegar. Aprendi a confiar nas pessoas subordinadas a mim. Aprendi que, às vezes, é melhor respirar fundo e dar uma volta pela praça, ao invés de dar um esporro em alguém. Aprendi a esperar o tempo dos outros. E aprendi a ser gentil e me impor também. Perdi o medo abraçar forte. Seja quem for que estiver do meu lado.
Cresci muito neste último mês. Como pessoa e como profissional. Percebo agora como a cada nova cena fui me sentindo mais a vontade no set; como elevei meu nível ao conversar com o Leandro (que me ensinou muito do que sei agora); como consegui falar olhando nos olhos dos atores. Devagar fui perdendo o medo, devagar fui incorporando a diretora.

E que medo eu senti nessa última semana.

Tudo passou por essa cabecinha maluca: de não dar conta de dirigir a cena fatídica a ser excomungada pela igreja, pensei em tudo. Um milhão de vezes o pensamento de mudar tudo na tal cena me atormentou. Não dormi. Briguei com o coitado do Fernando por tudo. Roí unha. Comi muito. Tudo. Tudo. Tudo.

Mas resisti. E falei alto, olhando pra mim mesma no espelho: “Que merda de diretora você quer ser, afinal???” Respirei fundo, chacoalhei a cabeça e espantei todos os demônios que me perseguiam. Que se danem todos eles.

Prêmio nenhum no mundo vai superar a alegria de poder compartilhar um set com o Leandro. De encontrar o olhar cúmplice da Gianda durante uma cena. De ver a Valquíria correndo de um lado a outro. De perceber os meninos, Rafa (sempre pronto pra tudo), Cabelo (importunando a Valquíria), Macaco (adotando corujas e comendo bananas), Raul (meu filhote querido e super competente), carregando tudo pra lá e pra cá. De me emocionar com a atuação desse elenco surpreendente. De ver o bom humor da Karen, mesmo quando tudo contribuía para ela explodir em milhões de pedacinhos.

De nem lembrar do Fernando durante o final de semana inteiro. Mas ter certeza de que tudo estava em ordem porque ele estava lá.

E são só alguns exemplos. As meninas, Mayla, Karol e Flavinha, aprenderam (como eu) o que é produzir um filme. E o Daval sempre atento e com uma informação pertinente a dar.

Então, é isso. Finalizamos ontem a segunda etapa do filme “A Caminho do Céu”. Agora é hora de editar, sonorizar, colocar trilha. E contar os dias para ver tudo pronto!

Eu até pensei em contar os detalhes da noite de sábado. Mas o talento de um menino quietinho, meio tímido, falou muito mais alto. Abaixo, um texto delicioso dele que dispensa comentários.

Obrigada a todos vocês, competentes (e corajosos) integrantes da equipe “A Caminho do Céu”. Ainda trabalharemos muito juntos!

Beijo.

Bia

Madrugada de sábado
por Valmir Mandeli
Madrugada fria de sábado pra domingo. Últimas captações de imagens para o curta A Caminho do Céu de Bia Lelles, no sítio da família do Hunfrey.

Uma vaca mocha, malhada, mascando chicletes, nos deu as “boas vindas”, sentada/deitada (sei lá) debaixo da figueira, logo após o mata-burro e pouco antes da milionésima oitava porteira.
A noite sem nuvens, porém muito escura, pediu uma fogueira pra iluminar e esquentar os corpinhos desprovidos de agasalho.
Jimmy Handrix e Janis Joplin criaram um ambiente descontraído.
Uma lua gigante subiu em meio às jabuticabeiras, mas ainda não conseguia iluminar o encerado estendido no pasto, ao redor do qual, tudo acontecia.
Aviso aos navegantes: Nunca compre velas de 1,99!!
Ter que tirar os pavios e colocar outros melhores. Acredite, é serviço de preso.
Enfim, a rotina foi essa:
Coca cola, guaraná, banana, pão com presunto e queijo...
Cata gravetos aqui, joga na fogueira.
Pisa no cocô de vaca.
Regaça a perna no capim.
Janis Joplin...
Da-lhe rolinhos no cabelo da Karen.
Fotos.
Gravetos, galhos ... tudo pra fogueira.
Banana.
Monta grua. Monta equipamento de iluminação.
“Tem uma luz branca lá...que que é aquilo?” olha o Hunfrey querendo fazer medo no povo!!
Galhos secos de jabuticabeira...pro fogo!
Jimmy Handrix
Velas. A saga continua. Tira pavio que não presta, coloca novo... É meu filho, era um monte... num tinha fim !!!
Coca cola.
Alimentar fogueira. Dessa vez, achamos uma árvore inteira.
Vamos brincar de jogar o Cabelo no fogo?
Regaça mais a perna em qualquer coisa que não dá pra ver porque tá escuro.
Pisa em mais cocô de vaca.

Vamo lá? gravando!

Muda a atmosfera. Muda ambiente.
A fogueira se vê minguando, minguando até virar um pontinho vermelho no meio do breu.
O frio aumenta, as emoções também.
Marcondelli captando as nuances.
Dor em uns, ansiedade em outros.
Tudo acontecendo e Rafa de costas, contempla o canavial...
Valquiria vira claqueteira.
Sangue de Eloísa com biscoito vira paixão nacional.
Chupa cabra vira “Chupa Cana.”
Amarra Karen.
Cobre, descobre. Cobre, descobre.
Pausa para um pips. Não! Para! Mesmo no meio do mato elas vão em duas!!! Que mistério é esse?
Hunfrey com tatoo em interpretação que dá “rupeio”
Cobre Karen, descobre. Cobre.
Cadê o martelo? Cadê o fone de ouvido do Macaco?
Cobre, descobre.
Som de baile funk lá loooonge.
Bia. Não sei se tensa, contente, cansada... Ou num turbilhão de sensações, incorporada em uma coisa só: Diretora.

Fim das filmagens da madrugada. O desejo de quase todos é um banho quente, um copinho de leite com chocolate e cama. Devido ao cansaço muitos ficaram só com a cama mesmo e o resto que se phoda!
No caminho de volta, a vaca mocha com seu chicletes interminável ainda estava lá... mas descobriu-se na verdade, que depois que passamos saiu voando com suas asas de borboleta, sem os membros, pois não os tinha e exibindo sua barriga “malhada”.









Um comentário:

Franklin Catan disse...

Realmente foi um sucesso trabalhar com todos você!
A cada dia aprendi alguma coisa, o filme já é um sucesso....
Não tive a honra de participar da última cena, mas quero dizer que estou muito ansioso para assitir o filme completo.
Obrigado a todos.....
E espero trabalhar mais vezes e como sempre não preciso ganhar nada o importante é fazer de uma pequena ideia uma verdadeira emoção..

Grande abraços!