quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ainda sei escrever... será?

Eu fui uma caca de pessoa nesses últimos dias. Nesses últimos meses, pra ser mais sincera. Primeiro veio a depressão, logo após o término das filmagens (descobri que se trata de um sintoma normal, até grandes diretores tem). Depois, começou uma angústia, um medo incontrolável de que nunca ficaria pronto, já que bastava ver o filme para encontrar alguma coisa para consertar. E no meio disso tudo co-existiam os problemas de todo dia. Haja fôlego!

E não teve dia em que eu não me sentisse culpada por abandonar o blog. Por várias vezes sentei à frente da telinha brilhante do meu pc e comecei a rascunhar um texto, uma observação ou um sinal de vida qualquer. Mas não saía! Passei por um bloqueio total, algo quase inédito na minha vida (já tive alguns bloqueios, mas nada tão intenso). Como o intuito desse blog é contar os percalços dessa minha investida como diretora, devo confessar (e alertar os possíveis futuros diretores) que a pior coisa do mundo é terminar um trabalho como esse, em que você se dedica de forma absurda, esquece do resto do mundo, e quando termina não tem nada nas mãos. É terrível! Eu voltei para o meu mundinho sem graça depois de navegar por mares totalmente desconhecidos, enfrentar tubarões e tempestades, me maravilhar com dias ensolarados e praias desertas, desvendar mistérios, encontrar o tesouro... E voltar para casa sem ele. É uma situação muito estranha.

Mesmo agora que tenho o filme pronto em minhas mãos parece que falta algo. As cenas passam diante de meus olhos e me reconheço nelas: há o meu toque, o meu olhar em cada momento. Vejo meus pensamentos em forma de imagem e minhas convicções delineadas em atitudes. Na verdade, nem deve faltar nada. Criar é soberbo. E mais soberbo ainda é manter-se humilde diante da sua própria criação. Assim me sinto: pequena demais perto disso tudo.

Bem, mas preciso contar como chegamos até aqui, não é mesmo? Afinal, esse filme não foi feito só de filosofias e conjecturas...

Logo após terminar de filmar, Leandro, Hunfrey e eu decidimos montar o filme. Eu gosto de dormir tarde, trabalho muito melhor na madrugada, mas igual ao Leandro... Ah! Na outra encarnação, com certeza, ele foi vampiro ou alguma criatura do gênero. Viramos madrugada e mais madrugada palpitando enquanto ele cortava, emendava, colocava efeito, tirava efeito, escolhia trilha... Trabalho duro. De gente grande.

Após vários dias de edição, aquele emaranhado de imagens e sons ganhou forma de filme e decidi exibir para algumas pessoas da equipe. Isso aconteceu durante uma peixada na casa do Hunfrey (nosso reduto para todos os encontros). Acho que foi uma das atitudes mais acertadas que tomamos. Não a de fazer o peixe. A de exibir o filme. (Ah! Fazer peixe também foi bom demais!) Não sei se todos sabem, mas as grandes produções tem exibições antes do lançamento, para um público selecionado que dá notas ao filme. Essa avaliação, em muitos casos, faz com que os produtores e diretores mudem o rumo da história prevendo um possível fracasso. Foi muito bom exibir o filme para o pessoal, pois eles puderam opinar e eu ouvi cada comentário que foi feito. O que mais me chamou a atenção foi sobre o ritmo. Eu havia estudado sobre isso logo quando comecei a me interessar por cinema, há uns dois anos. Voltei aos textos e pesquisei sobre o assunto. Concluí que a voz do povo é mesmo a voz de Deus (pelo menos nesse caso) e pedi ao Lê que fizesse algumas alterações na montagem. Acho que o curta ganhou muito com isso.

Mas ainda tínhamos o desafio de encurtar o filme para 20 minutos, requisito básico de muitos festivais. De onde tirar 4 minutos??? Corta daqui, enxuga dali... E lá se foram míseros 30 segundos. Corta mais um pouco. Agora só faltam 3. Ai, ai, ai. Então, tá. Reduz o início. Aquele lindo e melancólico início... Foi-se. 20 minutos.

Som. Eu bati o pé desde a primeira reunião que queria (porque queria) uma trilha original. O Leandro me convenceu a usar Beethoven, depois entraram umas trilhas legais aqui, outras ali... Quando vi, o som não tinha mais a cara que eu queria. Mas as possibilidades de conseguir alguém que compusesse algo realmente bom para o filme eram remotas. E então apareceu a duplinha Pery e Poti! Amigos do Leandro, adoraram o projeto e entraram de sola.

Eles são super profissionais nessa área, tem um estúdio maravilhoso no meio do mato (literalmente) e sabem o que fazem. Tive uma conversa breve com o Peri (que já tinha visto o filme) em que expliquei o rumo da história, os pontos de virada, o nível de suspense, etc. Foi realmente uma conversa rápida. Uma semana depois, estou eu sentadinha no estúdio pasma com o que ouvia. É isso mesmo. Se eu ouvir o filme de olhos fechados vou ter as mesmas sensações que teria se estivesse vendo as imagens. Eles são feras. Deram a tônica exata que eu queria, sem contar a sonoridade em geral, com todos os sons ambiente necessários para envolver o espectador e o mais importante de tudo: falas limpas, claras, perfeitas. Sem mais comentários, né.

Era hora de finalizar os créditos. Entre tapas e beijos fechamos também essa parte. Escolhe fonte, tamanho, ordem disso e daquilo. Muda tudo, começa de novo. Esqueci alguém! Volta e faz mais uma vez. Precisa colocar aquele cara que ajudou a gente, lembra? ... Mais mudança!

E então, chegou o momento de exportar o filme. Que rufem os tambores! Gente, foi um parto. Normal. E de gêmeos. O equipamento do Lê não agüentou o tranco (e olha que ele trabalhou muito) e quem nos socorreu foi o Julio, outro amigo do Lê. O Julio tem uma produtora bem bacana, a Pix, que faz trabalhos para o Brasil todo. Estávamos a um dia do prazo final para entrar no Festival de Brasília e tudo estava dando errado. Sinceramente, quase tive uma crise nervosa. Saímos da produtora perto da uma da madrugada, no último dia do prazo. Dormi agarrada com a fita Beta (que tive o prazer de conhecer um dia antes) e algumas horas depois a despachei para a capital. Ufa!

Muita coisa aconteceu depois disso. Consertamos várias coisas no filme. Quem faz sempre acha alguma coisa para arrumar. Mas algum dia você tem que acabar o projeto, nem que seja para poder começar outro (levarei essas palavras do sábio Edson Valêncio, pai do Pery e Poti, durante toda a minha vida). Ainda hoje, enquanto assistia mais uma vez, pensei que poderia mudar algumas minúsculas coisinhas. Outras, maiores, só a experiência me farão fazer melhor. Disso tenho plena consciência.

E se você, amigo possível futuro diretor, pensar que já estudou tudo, que já viu todos os filmes e que está pronto para enfrentar uma produção como essa relatada neste humilde espaço, desconfie de si mesmo. E estude mais, e veja mais filmes, e dirija pequenos trabalhos que vão lhe dar uma base impagável. Faz muita falta não conseguir se comunicar a contento com seu diretor de fotografia ou de arte; não conhecer todos os meandros da direção de atores; não ter confiança suficiente para criticar algum posicionamento que te desagrada; não saber exatamente como montar um cronograma de filmagem... Isso virá com a prática e o embasamento teórico que você consiga reunir. E são realmente importantes para que seu trabalho tenha um mínimo de qualidade.

Quando resolvi fazer esse filme, não imaginava realizar algo tão grande. Ao mesmo tempo, trabalhei na parte administrativa de forma que as possibilidades de ter algum furo no meio do caminho fossem remotas. Por isso, consegui cativar a todos da equipe, pois perceberam a magnitude desse projeto e o que ele poderia mudar no panorama da produção áudio-visual de nossa cidade e também em suas vidas, já que todos (de alguma forma) estão ligados ao cinema.

Muita gente não acreditou em mim. Me chamaram de maluca e duvidaram que eu conseguiria finalizar. Mas eu acreditei nas pessoas que convidei para integrar esse time e isso me deu confiança (apesar de alguns tropeços) para continuar acreditando no sucesso. Independente se o filme é bom, se as pessoas vão gostar (e gosto é igual c... rsrs), nosso sucesso está em ter feito o que muitos tentaram e não conseguiram acabar: meu roteiro virou projeto de uma equipe; o projeto virou filme.

Nada disso seria possível sem essas pessoas que se doaram em nome de um sonho, sem esperar nada em troca, apenas a oportunidade de participar. Reconheço a importância de cada gesto, de cada função exercida. Nunca me cansarei de agradecer e de abraçar cada um de vocês, meus amigos.

E vamos parar de choradeira! Senão, dia 23 não terei lágrimas para derramar e borrar minha maquiagem. Pasmem, colegas de equipe. Eu usarei maquiagem no lançamento! Rsrsr... E ainda arrumarei o cabelo! Rsrs.
E que venha "O Próximo"!

Beijos,

Bia

6 comentários:

Valmir disse...

Só posso dizer: Amém!

Bia Lelles disse...

Valzinho, não saia da minha vida nunca, viu? Receber seu carinho é tudo de bom pra mim... Um beijo no coração, meu escritor predileto!

Gustavo disse...

oi Bia,

se você sabe escrever? sim, você sabe. Semióticamente, quantidade Vs. Qualidade. Segundo o Ferreia Gullar, qualquer dona-de-casa hoje é poeta. Quer saber? Foda-se o Ferreira. Na Cibercultura o que é Bom, claro que na linha temporal, ficará, será preservado do "dilúvio" numa especie de Arca de Noé. Ou seja, o conhecimento vai se afunilando "naturalmente", rizomáticamente. A Ferreira Gullar é um poeta e pensador que ainda compreende a vida através da ótica da Modernidade, e fecha os olhos, ou vê de forma distorcida. É como lutar contra a correnteza, uma ora você cansa e começa a descer e fazer uso dela. O blog é um bom exemplo. O que será filtrado? Ainda não sei,ainda não sabemos...
abraço,

Gustavo

Anônimo disse...

Olá Bia, fui aluna do Hunfrey e compareci a estréia do curta..PERFEITO!!Não nos conhecemos, mais isso é um detalhe rsrs..quero desejar tdo de melhor que existe pra vc e sua carreira..seja sempre essa pessoa ilumidada que parece ser. Grande beijo. Nayara Potiguara

Bia Lelles disse...

Olá, Nayara!
Muito obrigada pelo seu carinho, iluminou meu dia! Estamos organizando um grupo de estudos sobre cinema, se quiser participar será muito bem-vinda! Beijo, Bia.

Bia Lelles disse...
Este comentário foi removido pelo autor.