Eu acreditava que não me emocionaria mais com a magia do cinema por estar trabalhando atrás das câmeras. Pensava que seria mais ou menos igual quando era criança e desmontava os brinquedos para ver o que tinha dentro; ou quando deixei de acreditar no papai Noel depois de ter descoberto que sua barba era falsa... Ledo engano. A magia que envolve o cinema é muito maior que tudo isso, muito mais forte do que se possa imaginar! Mesmo criando uma história, escrevendo um roteiro e conduzindo a transformação dessas linhas em imagem e som, ainda venho me emocionando a cada novo dia de filmagem. É incrível como a história ganha vida própria na tela! Por mais que eu tenha feito à marcação da cena e escrito o diálogo, não reconheço o que vejo na tela do meu retorno... Surpreendo-me (ainda que saiba exatamente o que vai acontecer), me emociono, me alegro por ver a amplitude daquele momento.
Escritores, de um modo geral, não podem ser egoístas com suas histórias. Cada um que lê cria algo diferenciado, enxerga um detalhe que o próprio criador não viu... Quem escreve para cinema, então, é desafiado de forma ainda mais assustadora. Assim que o cenário é montado, que os atores estão caracterizados, que a luz natural foi modificada para a cena, a criatura-história mostra suas garras. Ela afia as unhas e desafia o escritor para um duelo. Eu me rendo a sua imponente vontade... E deixo que tome seus rumos caminhando pelas estradas que criei, para depois me ver sorrindo (e com olhos marejados) no reflexo da tela do meu monitor.
Essa magia esteve presente o tempo todo no Hotel São Paulo neste último final de semana, quando gravamos duas cenas do filme. E, talvez por se tratar de um prédio antigo, de belíssima arquitetura, voltei de lá trazendo uma melancolia gostosa, uma saudade de algo que nunca tive. Então, percebi que era saudade da minha história, pois ela simplesmente se foi, pegou as rédeas de seu destino. E cresceu diante de meus olhos imaturos...
O mais surpreendente neste momento, para mim, é que esse sentimento está se transformando em algo reconfortante, parecido com dever cumprido. Meu dever não está nem perto de estar cumprido, mas já consigo visualizar uma pontinha de satisfação pelo trabalho feito até agora.
As cenas feitas no hotel eram cheias de detalhes e isso nos atrasou um pouco. Hunfrey e eu estávamos mais preocupados com a segunda cena a ser gravada, pois ela dependia exclusivamente da atuação dele e trazia uma carga dramática muito grande. Tive que segurar as lágrimas no final, ao me deparar novamente com um mesmo fato: não havia um ator interpretando um personagem ali naquele quarto, mas sim uma outra pessoa expondo seu drama, num momento real de sua vida. Era a criatura-história que havia abraçado com suas garras afiadas meu amigo Hunfrey. Fui solidária a ele, pois estava sentindo aquela mesma dor... E ele foi brilhante entregando sua alma a ela! Sem medo algum, sem titubear... Expelindo a magia por todos seus poros!
Ontem a diretora que habita meu ser estava tranqüila (e tem ficado mais e mais a cada novo dia de filmagem), mas a escritora se mantinha impaciente. Isso porque a escritora não tem mais seu rebento para cuidar, ele cresceu e cortou seus laços. Daí, um certo comichão passou a incomodá-la... E, hoje, naturalmente outra história começou a germinar...
Um beijo no coração de cada maravilhoso colega de equipe!
Bia
2 comentários:
Bia, não tinha lido ainda. Esse texto está incrível. Parabéns! Tô lendo as crônicas. Vc é muito talentosa. É muito bom estar trabalhando contigo nesse projeto. Beijos.
Muito obrigada, querida. Esse elogio, vindo de vc, tem um peso enorme para mim... Nem preciso dizer o quanto é gratificante trabalhar com vc, escutar seus "toques", ver sua empolgação no set mesmo depois de um dia (ou noite) cansativo de trabalho. Esse trabalho trouxe uma coisa especial para mim: alguns amigos que faço questão de levar para a vida toda!
Obrigada por tudo (até agora, pq tem muito mais por aí...rs)
Beijão,
Bia
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